Esquizofrenia

Tudo começou com a mania de escrever a lápis. Queria escrever um conto sobre escrever com lápis, sobre como a escrita poderia ser mais pura e poderia “fluir” mais livremente se no papel pudesse deslizar essa mistura ereta e linear de madeira e carvão comum em todas as sociedades e classes do planeta. Comprei um pacote de lápis, apontei lápis, escrevi a lápis, pintei a lápis, investi nas lembranças da infância, depois nos sonhos, passei paras imagens das últimas viajens e ao final minha tese foi refutada. Contudo, na mesma semana, paralelamente ao enorme trabalho à lapis, um fenomeno estranho sucedeu na casa, algo é claro que só consegui perceber muito mais tarde, afinal encontrava-me muito ocupada com a tarefa que me havia proposto. Nos momentos que não estava escrevendo arrumei algumas coisas na casa, e acabei por embucetar a casa inteira. A embucetada se deu por causa de umas luminárias japonesas, sabe aquelas esferas de papel de seda com motivos japonesese e arcos de arame bem fino por dentro? Pois enchi todas as lâmpadas da casa com uma dessas, exceto o quarto do menino, o segundo quarto do terceiro corredor. Não sei se por ser menino, mas pra ele comprei uma luminária japonesa quadrada, sabe daquelas que parece que é feita de pauzinhos de pegar sushi? Daí fiquei com aquela suspeita toda do inconsciente. Depois lembrei da tal da Liquidação. Elas eram lindas de verdade, redondas e finas, frágeis, de papel claro e com desenhos sutis. Era janeiro, aquele sol infernal. Os ricos e os estudantes estavam na praia ou na montanha. Nós estávamos ali e tudo estava em liquidação. Levei lâmpadas para a casa inteira. Nem percebi que eram bucetas. Afinal quem pensa nelas o tempo inteiro? Depois arranjei cada uma num lugar que considerei esteticamente mais insteressante. Passei horas nessa atividade de pregar bucetas no teto. Fiquei muito contente por dias seguidos, só por chegar em casa e olhar para o teto embucetado. Ainda gosto do teto assim, mas já entendi qual é a delas, quando chego em casa sou eu quem precisa pronunciar a primeira palavra. Em geral elas quase sempre ficam em silêncio, algumas vezes uma delas fala, geme e até chora. Ela não explica, elas nunca explicam. Vivo sem entender desde que percebi a presença delas. Não me afetam, estão fixas. Ninguém vive comigo para me acusar de loucura, assim até tenho com quem conversar, mas elas não chegam a conversar. As vezes falam é verdade, e aí falam muito, depois se aquietam e só emitem sons peculiares, daqueles que jamais me deixariam esquecer delas e de sua presença constante.

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