A frase onde ela se foi

Me fazia falta uma amiga naqueles dias. Tinha vontade de conversar, falar de alguns problemas, tomar um café, botar conversa fora, rir um pouco, esquecer do frio e da chuva dos últimos dias.

Como ela não estava por perto decidi escrever-lhe. Comecei com o clássico:

_Oi, como você está?

Segui com algumas frases de carinho, pensadas rapidamente, mal escritas. Tomei algum cuidado para não ser sentimentalista demais, aquilo seria falso. Falei da nossa distancia, de como gostaria de vê-la e de como me sentia triste por estarmos longe.

Ela também começou com o clássico.

_Nós estamos bem!

Não era tão clássico é verdade. Esse uso do plural denunciava que ela já não existe. Agora ela é eles. O filho, o marido, o cachorro, a cidade, aquele trabalho, o carro. Sim inclusive o carro.

Uma das formas mais imbecis que a humanidade encontrou para dissolver uma pessoa singular e passá-la para o plural é o carro, esta extensão do corpo humano que pode fazê-lo desaparecer e ao mesmo tempo pode unificá-lo com vários, juntando todos os corpos que estão no interior do veículo.

É verdade que quando vemos um carro passar na rua é sempre um caro e nunca uma pessoa ou um grupo de pessoas que estão passando de carro.

E para além do carro há a casa, o apartamento, a viagem e o amor. Objetos e conceitos que precedidos do possessivo NOSSO(a) definem uma subjetividade coletiva. Uns "nós" formados por "eus" fracos e amarrados entre si.

A língua portugues permite esa relação com os nós das cordas, palavra homónima que no final parece também ter um só significado.

E se ela se disolveu, ou seria melhor dizer se fundiu, em nós que amarram sua família provavelmente é porque quiz. Um querer muito questionável é claro, mas que na configuração de nossas sociedades humanistas e ainda católicas, como é o caso do Brasil, se justifica perfeitamente no amor e nos bens comuns.

A propriedade e as relações de sangue parecem manter-se como imperativos muito fortes nos dias atuais. Tãos fortes que continuam definindo as categorias de sujeito (nós e eus).

E aí poderia falar também do patriarcalismo e dessa necesidade da mulher anular-se cuando nasce um filho e isso seguiria muito longe.

O nó familiar é tão forte ainda hoje nas nossas sociedades que parece que tudo se justifica nela, e para que ninguém fale contra, o amor é usado para justificar toda violencia -simbólica ou real- que acontece no interior destos micro-cosmos tão amarrados.

E para concluir só posso dizer que gostaria de desatar esses nós, salvar minha amiga, trazê-la comigo para um caminho de errâncias (provavelmente por algun principio humanistico também ou por algum ideal de heroísmo cristão).

E o que me impede de tentar fazê-lo é a inutilidade, a priori, de qualquer ação que eu desprenda, porque o resultado de todo esse enlace que se denunciou na sua frase é uma felicidade aparente que ela sente realmente por estar vivendo neste novelo.

Viviane


Comentários

  1. Me leva que eu vou, Vivi !!!
    hehehehe
    um beijo e um grande abraço pra ti!
    saudades...
    Bia Figueiredo

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  2. si, tienes que aprenderlo, además es sensillo.

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