Philip Roth_ Vida longa ao fantasma!

No dia 22 de maio deste ano soubemos do falecimento do escritor aos 85 anos. No dia 24, lendo a coluna de Felipe Rios Baeza na revista Rialta, dou-me conta de que:

"Se aprendemos algo dos livros de Philip Roth é o modo como estão marcados por sensações e emoções que não parecem transportadas pela palavra, mas diretamente pelas próprias mãos do escritor." (Baeza)

Foi isso que senti ao ler pela primeira vez un livro escrito por Roth. Passava um tempo na casa de uma amiga e escolhi aleatoriamente, por sugestão dela, o Dying animal (animal agonizante),  e passei a devorá-lo como se não o lesse, mas estivesse sendo tocada por algo. 

Claro que eu lia, inclusive sentia o peso do livro, nem tão grosso assim, cuidava para não suar em suas páginas, para não deixar nenhuma página dobrada quando virava a página e sofria por não poder sublinhar, riscar ou até rasgar aquele objeto-fetiche que me fascinava. Porém também sentia, vivia, sofria e sorria com aquele personagem que eu inclusive abominava por ser um por vezes machista, por outras humano demais ou  liberal demais. 

Sensações assim definem seus livros para mim. Daquele dia em diante li outros, não todos, nem em ordem, e inclusive confundo e cruzo as histórias. Apesar da literatura também operar com a linguagem e este ser o instrumento pelo qual pensamos em geral, acho que quando lemos algo expressivamente artístico já não estamos no plano da linguagem, ou não somente nele, estamos em alguma esfera da experiência humana que ou a ultrapassa ou a antecede, talvez as duas coisas. 

É nesta esfera que pode-se falar da experiência com sua obra, que posso falar de como fui tocada, uma e outra vez, por Roth, e agora como seu espectro seguirá me tocando por meio de seus livros. 

Terminar de matá-lo?

Contrariamente a toda esta articulação feita por mim (meio filósofa e uma mulher maravilhada pela narrativa e cuja sensibilidade egoísta presume sentir-se toca pelo autor)  e inspirada em Felipe Rios Baeza (meio crítico, meio escritor e também um pouco filósofo), fui esbofeteada por uma conversa com um amigo (muito mais filósofo do eu e provavelmente muito mais crítico do que Baeza): sua brilhante descrição de Roth e seus livros o solaparam por completo, el matou-o e matou em mim toda sensação de envolvimento com seus universos. 

A obra de Roth, dizia ele, é uma expressão artística-literária de tradição judaica-americana iniciada na década de 60 do século XX e contextualizada no exílio dos judeus nos EUA. Seus trabalhos, entre outros de igual tonalidade, expressariam temas judeus, burgueses, liberais e intimistas. Especialmente seu célebre livro Godby Columbus, que admitiu não ter lido.

Não. Realmente não sei até onde se pode classificar esses escritos. Mas questiono a necessidade de fazê-lo. Até onde precisamos agregar autores a obras? como bem o questiona Barthes no magnífico artigo "a morte do autor". Certamente não me cabe julgar aqueles que preferem as definições e as palavras ordenadas em detrimento do sentimento ao ler, ou que preferem nem questiona se de fato sentem algo além do prazer de ocupar o lugar dos classificadores. 

Conservá-lo como espectro?

Baeza escreve sem classificar seus livros, passa pelos temas específicos de cada um (ele os leu todos, eu ainda não) e defende que o centro de seus trabalhos é a intimidade, a qual fora despertada por questões levantadas por Milan Kundera e que se expressam em uma entrevista de 1980 que Roth fez a Kundera onde teria colocado este diante de questões que se expressariam depois nos próprios livros de Roth. (ler a entrevista na íntegra aqui _em ingles)

Baeza termina:

"Aos 85 anos, Philip Roth fechou a porta por dentro. Porém nos deixou um espectro, que, como Sabath frente a morte de Drenka, sairá de vez em quando pelos cemitérios a derramar de novo sua semente pela terra."

" 'Não ganhou o premio Nobel' , afirmava essa semana a mídia obtusa. Eu digo: depois de tudo que vimos (um escândalo com Jean-Clause Arnault, que poderia ter sido um de seus personagens), teria manchado um legado que se sustenta sozinho.  

(Felipe Rios Baeza/ In: Rialta_maio_2018)



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