Chocolates

...
(Come chocolates, pequena;
Come chocolates!
Olha que não há mais metafísica no mundo senão chocolates.
Olha que as religiões todas não ensinam mais que a confeitaria.
Come, pequena suja, come!
Pudesse eu comer chocolates com a mesma verdade com que comes!
Mas eu penso e, ao tirar o papel de prata, que é de folha de estanho,
Deito tudo para o chão, como tenho deitado a vida.)

...

Isso é um fragmento da Tabacaria do Álvaro de Campos (Fernando Pessoa 15-1-1928)
Chocolates... comer chocolates, sorver o doce, o afago, o carinho e, principalmente, a verdade pelo corpo, pela boca. Somente pela pele, sem eurística, sem filosofia, desprovidamente de tudo, apenas pelo paladar. O próprio Pessoa define isso em outro momento (se bem que não é o Pessoa é o Alberto Caeiro)

“Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela”.


Alberto Caeiro (Fernando Pessoa), “Poemas inconjuntos”
PESSOA, F. O guardador de rebanhos e outros poemas – Poesia completa de Alberto Caeiro. São Paulo: Landy Editora, 2006

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