O FOGO E A FÚRIA... mini-conto sobre subjetividades, redes sociais e o que realmente importa.


Para William

Eu1 _Quem sou eu?  o que mostro de mim é o que sou? sou O mesmo que mostro? escondo algo, consciente ou inconscientemente?

Eu2 _ Essas perguntas vão lhe levar  ao problema do ovo ou a galinha.

Eu1 _  Isso me preocupa por causa das redes sociais.
O que somos nas redes? o que queremos ser? o que creem que somos? o que somos fora dali? Menos ou mais interessantes? É verdade o que vemos? a verdade de mim transparece na rede?
Posso comandar a aparência social deste personagem eu ou estou sob a gerencia de algoritmos que só querem vender e me fazer comprar?

Eu 2 _ EU, EU, EU... pra mim, até mim, verdade de mim... Tanto egoísmo assim? nunca vi se falar tanto do EU como agora. 

Eu1_  Isso não é novo, os gregos já se perguntavam sobre "quem sou", a pergunta é mais antiga do que você pensa.

Eu 2 _ Há controvérsias, especialistas defendem que os gregos não estavam tão interessados em descobrir uma essência de si, a verdade de mim como você diz, porém em construir um ser para si que estivesse em conformidade com seus princípios morais.

Eu1 _ E as civilizações não ocidentais? Acha que os Mayas não pensavam sobre quem eram?

Eu2 _ Certamente não como nós, sua concepção do que eram estava subordinada à cosmologia e aos mitos de sua cultura. E pelo que dizem estavam mais interessados nos fenômenos naturais e nas eras de sua civilização do que nos seus egos.

Eu1 _ Tá bom. Digamos, se aproxima do fogo e frota as mãos em frente às chamas, que eu aceite tudo isso, e também que isso é novo e atual, que nunca pensamos tanto em "quem somos" como agora.
Mas agora desde quando? 
No cristianismo essa concepção estava bem presente. Se alguém deturpou o pensamento grego foram os clérigos da idade média por  introduzir a ideia do eu-pecador. O que você chama de "agora" começou faz séculos.

Eu2 _ Acredito que a preocupação com o eu-pecador do cristianismo não buscava uma verdade individual, também agita as mãos em frente às chamas, a verdade que importava era a divina, pára de frotar as mãos gira e fica de costas para o fogo, o indivíduo tinha que se conhecer para purificar-se, não para resolver seus problemas existenciais.

Eu1 _ Ok, então desde quando o Eu ficou tão importante? desde Freud?

Eu2 _ E isso Importa? Se afasta.  Já não os vejo. Eles entraram no espelho. Estão falando lá dentro. O fogo também entrou no espelho.

Eu1_ Claro. Saber quando explica porque começou esse egoísmo como você diz.

Eu2_ Saber quando não explica nada. Alli também está no espelho, deita no tapete na frente do fogo. Só contextualiza, o resto é interpretação Darling.

Eu1_ Você sempre me chama assim quando se irrita. Não pode tomar toda discussão tão pessoal. Afinal quem é egoísta aqui?

Eu2_ Não Darling.  Darling, darling, darling, é carinhoso, sem irritação, me sinto muito bem. E sim explica, só que não importa, estão saindo do espelho, vão em direção à porta, só é importante para localizar e assim podemos parar de perguntar pela verdade do eu e ver o temporal e ridículo que é a pergunta. Alli também anda em direção à porta. Estamos todos perto da entrada. Ele me olha e eu bato nele.

Eu2_ Não Katze, diz com a mão quente na minha cabeça, a mão frota minha orelha.
Mais tarde você sai. Agora não pode little darling. Eu choro. A mão na minha orelha fica mais pesada, saio dali, ando em direção ao fogo.

Eu2_ Pega ela aqui, eu preciso ir, ela quer sair. Olha, chegou o leite, ainda está fresco, dá um pouquinho pra ela.

Eu1_ Katze vem aqui, vou te dar leite que você gosta, só não chora tá? Você não precisa chorar assim como pode viver sem Eu.

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