O fenimismo se tornou a galinha dos ovos de ouro do capitalismo?

Escrito pelo Coletivo 52, rede de auxílio mútuo ao empoderamento das mulheres _6 de março 2018 as 17:16
Traduzido por Viviane Bagiotto Botton _9 de março 2018 12:55.
Uma ilha exclusivamente para mulheres na Finlandia, taxis londrinos femininos: a economia joga com a desigualdade de gênero para criar um novo mercado. Temos que sair desse binarismo comercial.
Alguns meses depois da tempestade Weinstein e do #metoo, a lista de temas sobre as relações entre mulheres-homens que ainda não foram postas na mesa se encolhe, melhor assim. Mas resta aí um “que” que para nós merece ser pensado e que queremos debater: como a vida sexual das mulheres ainda é minada pelo patriarcado e o capitalismo. 

Nós concordamos com a feminista americana Laura Kipnis

“Sobre a cultura do estupro, os homens devem ser controlados e as mulheres devem ser protegidas. Mas isso é paternalismo não é feminismo."  

Ao invés de ensinar as mulheres a se defenderem, nós escolhemos separá-las para protegê-las. Um sistema que, longe de nos liberar, permite que o capitalismo desenvolva novos segmentos e novos mercados “especial para mulheres”. A prova: está sendo criada uma ilha exclusivamente reservada às mulheres na Finlandia (SuperShe Island), os taxis para mulheres em Londres, os Pink Ladies, inspirados nos modelos dos Pink Taxis de Beirute (vejam a escolha sistemática do rosa que infantiliza as mulheres). E os já existentes vagões de metrô separados para mulheres no Japão, no México, no Brasil e no Egito. Londres começa a pensar seriamente em aderir. Se trata de um paternalismo diretamente ligado ao capitalismo, já que ambos andam juntos. 
Como se livrar do patriarcado é parte integrante do sistema econômico do qual vivemos? “Toda história das mulheres foi feita por homens", escrevia Simone de Beauvoir. (ler livro completo em PDF)


E enquanto a independencia econômica das mulheres continua a se organizar, o marketing, este amigo íntimo do capitalismo, não deixou de cobiçar os altos rendimentos das mulheres. Nos anos 90, as mulheres gastavam 70% da renda familiar; hoje as multinacionais fizeram essa proporção ultrapassar os 85%. De que independência econômica estamos falando, se o capitalismo não pára de fazer as mulheres gastarem e de usá-las como propulsor de crescimento? O feminismo se tornou a galinha dos ovos de ouro do capitalismo? 
Tomar consciencia desse poder econômico é um primeiro passo. O segundo, é se inscrever na dinâmica do querer. É repensar os desejos. Irá o capitalismo se reconstruir sobre outras bases? Se sim, permitirá que as mulheres usem sua liberdade para fazer outra coisa do que consumir às custas de sua liberdade sexual? 

Voltamos ainda e sempre ao "Segundo Sexo" de Simone de Beauvoir e à necessidade de despertar a independência econômica para gerenciar o desejo. 

Tirar a mulher do seu papel de “vítima e megera”, é o motivo para ser feminista segundo Beauvoir, pois nós sempre estamos nesse lugar da perpetuação de uma ordem de desigualdade e de uma libertação sexual das mulheres que ainda está longe de ser conquistada. 

Quase não falar das mulheres que assediam sexualmente os homens (um guarda-costas de Mariah Carey a denunciou recentemente, e outras vítimas das pulsões sexuais das mulheres) é reforçar os esteriótipos de gênero, é manter a idéia de que o homem e a mulher são seres diferentes (esquecendo que isso é uma construção social que data do século XVIII). 

Abordar esse tema desvinculando-o das questões de gênero talvez seja a via para parar de confinar as pulsões sexuais incontroladas e a violencia no polo do masculino, mesmo que seja verdade que nesse quadro tenebroso sejam os homens que dominam o dinheiro, pelo menos por agora. 

Nós, as mulheres, estamos sempre em face de uma alternativa: de um lado, nós podemos seguir o caminho liso que o capitalismo escolheu pra nós. Este boulevard admirável descrito por Zola no “o paraíso das damas”, um mundo onde a sedução ocupa um lugar primordial na vida das mulheres, onde elas aceitam serem estimuladas a dar um lugar cada vez maior ao consumo, um mundo onde elas são frequentemente mais objetos do que sujeitos.

Uma outra via nos engaja a um feminismo que afirma o poder sexual das mulheres, abrindo assim a via para o poder econômico e político. Um feminismo que nos encoraja a nos exprimir claramente como desejantes, fazendo especialmente mais audíveis as recusas quando elas se impõem, com plena consciencia de sua força. 

Querer, é poder, e querer é também o poder. Eis porque a paridade mulheres-homens deve também passar pela paridade na expressão da libido, esta pulsão que ultrapassa o quadro de nossas sexualidade e atua como motor de nossa vitalidade. 


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