Sobre Democracia em Vertigem


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Um filme extremamente apreciável do ponto de vista das escolhas estéticas, do roteiro e da linguagem imagética que casa perfeitamente forma e conteúdo. Mais do que um filme que mostra os "fatos políticos atuais" e alerta para muitos jogos de poder que levaram o país à situação que está, o filme tem técnica e estética impecáveis.
Esteticamente opta pelo toque delicado, e tecnicamente é feito com muito cuidado, trazendo como diferencial a opção da simplicidade e singeleza das imagens amplas, embaladas por músicas agradáveis, ficando inclusive bem marcado este detalhe nas imagens íntimas da narradora quando criança e o contraste delas com fotos de tortura (estas estáticas) logo nos primeiros minutos.
Já no início nota-se que não é (e nem parece pretender ser) uma super-produção e nem busca explicar ou denunciar algo que o expectador ainda não soubesse. A abordagem (texto-imagem) é como um sobrevôo aos "fatos" a partir de uma perspectiva pessoal mas sem ser subjetiva ou explicadora, e isso é bastante admirável. A constante conexão entre os fatos nacionais e o micromundo da narradora e de sua família desperta imediatamente um sentimento de identificação no espectador, já que cada um de nós é "Petra" nesse filme: todos temos algum familiar que está do outro lado dessa polarização que é o ponto central do enredo do filme. 
Esse sobrevoo se reflete muito bem nas tomadas aéreas (feitas com drones), nos travellings dentro do palácio, inclusive lembram o famoso travelling aéreo do final do filme russo SOY CUBA, o qual também tinha uma voz feminina que narrava e criava essa perspectiva intimista. 
Algo parecido se pode considerar das imagens feitas por câmeras de elevador. Ao mesmo tempo que dão a sensação de que tudo se mantém sempre em movimento, também nos levam à posição de espectadores de algo particular, nos remetem a esse sentimento de "voyerismo", que é algo muito constitutivo de todos nós nesses últimos tempos.  
Outro detalhe importante é a forma como os depoimentos são filmados, a maioria deles é de dentro de carros em movimento (com o fundo da cidade, do trânsito, do fluxo da urbe). De um ponto de vista técnico, gravar áudios em carros é recurso bom e barato, pois os carros isolam o som das interferências externas e dão a sensação de ser tomadas externas, ao invés de takes em salas com livros no fundo que dão sono em quem ouve. De um ponto de vista de estilo, gravar nos carros representa um super-zoom: as entrevistas ficam pessoais e constrastam com os planos grandes e os sobrevoos que formam a maior parte da narrativa, causando-nos essa sensação de que ali dentro do carro se suspendeu a análise maior para dar voz aos atores individuais envolvidos nos "fatos" narrados, mas que ao mesmo tempo nada parou de acontecer no plano maior e nós sabemos disso pelo que visualizamos pela janela dos carros.
O mesmo voyerismo se afigura na imagem do fundo dos áudios vazados, que o nosso olhar em movimento por entre o vão dois edifícios da praça dos 3 poderes de Brasília no cair da tarde. Nossos olhos deslizam entre os dois prédios ou polos e entrevêem um horizonte escuro por entre a fresta das duas colunas monumentais enquanto os ouvidos ouvem os áudios absurdos, e que todos sabem que não levaram a nenhuma consequência jurídica maior (o que é mostrado nas imagens subsequentes).
Apreciável, portanto, pelas escolhas estéticas e pela técnica de montagem e narrativa, é um filme que não traz nada de novo aos informados sobre a política nacional desde a construção de Brasília, mas sublima com maestria e por todos nós (principalmente nós mais à esquerda) os sentimentos de indignação e frustração frente a uma trajetória que vimos violentamente interrompida.





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